terça-feira, 8 de julho de 2008

A Entrevista


A RTP/Açores fechou ontem, com a entrevista de Carlos César, o ciclo de entrevistas aos líderes dos partidos com representação parlamentar. Quero fazer uma nota de prévia que tem a ver com o desempenho dos jornalistas Rui Goulart e Berta Tavares.

Fizeram um trabalho notável nesta entrevista. Colocaram a maior parte das questões pertinentes e salientaram as incongruências do discurso do Presidente do Governo Regional. Não foram menos incisivos do que na entrevista com o Costa Neves, com a diferença fundamental de que o Carlos César esteve, do ponto de vista formal, a um nível muito superior ao do Costa Neves.

Ao contrário de Costa Neves, o líder do PS é um político confiante, tranquilo e de grande capacidade argumentativa. Esteve, do ponto de vista formal, quase perfeito. Controlou os tempos de resposta, omitiu as questões mais incómodas, soube salientar os pontos fortes do seu discurso e ainda teve tempo para usar o sentido de humor e sorrir para as câmaras.

No conjunto, concretizou um desempenho, do ponto de vista formal, ao alcance de muito poucos políticos açorianos.

Já no que diz respeito ao conteúdo das suas propostas políticas, penso que ficaram evidentes as fragilidades actuais do seu projecto político. Vou salientar, sem ser exaustivo, alguns aspectos que me pareceram mais vulneráveis:

A questão estatutária. Nesta área, o Presidente do Governo Regional já vinha fragilizado do debate na Assembleia da República (pertenceram ao PS a maior parte das propostas de alteração estatutárias apresentadas no Parlamento nacional).

A recente intervenção do Presidente da República irá enfraquecer, ainda mais, o conteúdo nuclear da proposta estatutária original. Ora o Carlos César não terá segunda oportunidade nesta matéria, uma vez que abandona o poder em 2012.

A próxima legislatura será um momento de transição para um novo ciclo político. Não existirão condições para voltar a gerar um consenso político tão alargado e a última coisa que o PSD de Berta Cabral irá fazer é proporcionar uma folga “externa” no debate político regional a um líder político de saída (teremos tudo menos incenso na hora de saída de Carlos César). Daí o ar compungido e conformado do Presidente do Governo Regional. O Cavaco Silva foi, neste assunto, o irlandês de serviço.

A questão económica. Neste assunto, o número habitual de Carlos César é mergulhar no Mesozóico e demonstrar as incríveis melhorias verificadas nos últimos doze anos. É claro que os resultados impressionam os menos atentos.

Na verdade, qualquer história da evolução económica de territórios ou países que partem de valores muito baixos está repleta de milagres de crescimento exponencial (veja-se, por exemplo, o caso de Cabo Verde).

O verdadeiro desafio é crescer a partir de valores próximos da média do contexto de referência (que neste caso é a média nacional). Ora o que os diferentes dados estatísticos demonstram é que a evolução económica dos Açores está a estagnar e até a recuar em alguns parâmetros (facto que foi exemplificado pelos entrevistadores).

Mais preocupante ainda, foi constatar que o Carlos César não tem alternativas sólidas em áreas em que ele mesmo reconheceu insucessos vários. Foram os casos do transporte marítimo e aéreo de passageiros e do turismo. Aqui, o Presidente do Governo Regional limitou-se a acanhar o projecto do PSD. De uma forma confrangedora, colocou-se à sombra do novo tríptico da moda: aumento das taxas de juro, crise energética e aumento do preço dos produtos alimentares.

Finalmente, falou-se do deficit democrático do regime açoriano. É claro que o Carlos César recusou a existência dessa situação. Também o Salazar chegou a afirmar que realizava “eleições tão livres como na livre Inglaterra”. Por experiência própria conheço o carácter não democrático do regime socialista açoriano.

A administração regional está totalmente infiltrada por interesses partidários do PS/Açores, a comunicação social está, com raras excepções, amordaçada e votada à pedinchice e os diferentes sectores da actividade económica submetidos à lei do subsídio da proximidade e da confiança.

Já agora, gostava de perguntar como é que o presidente e o vereador socialistas da Câmara do Corvo já sabem, “de ciência certa”, que não ficarei, no próximo ano lectivo, colocado na escola do Corvo (tenho testemunhas destas confidências)? Já sabem onde será o meu Gulag particular? Democracia? Liberdade? Pluralismo? Só peço a Deus a oportunidade de o apanhar num debate a dizer estas fanfarronadas! Ainda somos muitos os que não temos medo.