segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Caramuru

Fiquei hoje a conhecer, graças ao blogue Almariada, o poema épico Caramuru de Frei José de Santa Rita Durão (1722-1784), um padre agostiniano doutorado em Filosofia e Teologia pela Universidade de Coimbra.

Caramuru é um belo poema épico de dez cantos que segue o modelo de Camões. O autor descreve assim a sua obra: “Os sucessos do Brasil não mereciam menos um Poema que os da Índia. Incitou-me a escrever este o amor da Pátria. A acção do poema é o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século XVI por Diogo Álvares Correia, nobre Vianés, compreendendo em vários episódios a história do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas, como também a natural, e política das colónias.”

Curiosa é a referência que o autor faz à lenda da Estátua Equestre da ilha do Corvo. Aqui deixo essa belíssima passagem:

CARAMURU

CANTO I

LXIII

E quer na nuvem própria, que te indico, Que esse cadáver meu vá transportado, E na Ilha do Corvo, de alto pico O vejam numa ponta colocado; Onde acene ao país do metal rico, Que o ambicioso Europeu vendo indicado, Dará lugar, que ouvida nele seja A doutrina do Céu, e a voz da Igreja.

LXIV

Disse; e cessando a voz, e a visão bela, Viu da nuvem Áureo, que o rodeava, Transformar-se a bela Alma em clara estrela, E viu que a nuvem sobre o mar voava: O cadáver também sublime nela, Ao cume do grão-pico já chegava; Onde a névoa, que no alto se sublima, Depõe como uma Estátua o corpo em cima.

LXV

Ali batido do nevado vento, De Sol, de gelo, e chuva penetrado, Efeito natural, e não portento É vê-lo, qual se vê, petrificado. Um arco tem por bélico instrumento (15), De pluma um cinto sobre a frente ornado: Outro onde era decente: em cor vermelho, Sem pêlo a barba tem; no aspecto é velho.

LXVI

Voltado estava às partes do Ocidente, Donde o Áureo Brasil mostrava a dedo, Como ensinando a Lusitana Gente, Que ali devia navegar bem cedo: Destino foi do Céu Omnipotente, A fim que sem receio, ou torpe medo À piedosa empresa o Povo corra; E que quem morrer nela, alegre morra.

Notas (as notas 11, 12, 13 e 14 não estão assinaladas no texto)

(11) Estátua. — É estimada por prodigiosa a estátua que se vê ainda na ilha do Corvo, uma dos Açores, achada no descobrimento daquela ilha sobre um pico, apontando para a América. Foi achada sem vestígio de que jamais ali habitasse pessoa humana. Devo a um grande do nosso reino, fidalgo eruditíssimo, a espécie de que se conserva uma história desta estátua manuscrita, obra do nosso imortal João de Barros.

(12) Selvagem. — Não supomos único o selvagem, que o padre Anchieta achou em o estado que aqui se descreve. Muitos teólogos se persuadem que Deus por meios extraordinários instruíra a quem vivesse na observância da lei natural.

(13) Tupá. — Os selvagens do Brasil têm expressa noção de Deus na palavra Tupá, que vale entre eles excelência superior, coisa grande que nos domina.

(14) Suspendo. — Até aqui são os limites do lume natural, e como ele somente o alcança a filosofia; porém o remédio de natureza humana, ferida pela culpa, não pode constar-nos senão pela revelação.

(15) Um arco. — As memórias desta estátua concordam em ser o seu trajo desconhecido; toma daqui ocasião o poeta para o representar arbitrariamente.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A Reconfiguração do Sistema Partidário Açoriano


A nova lei eleitoral sepultou o sistema bipartidário açoriano. Não tenho dúvidas que os estrategas do PS-Açores foram surpreendidos pela dimensão da mudança. Esperavam provocar danos profundos ao PSD – projectando, à direita, o crescimento do CDS-PP –, sendo que à esquerda apenas concebiam o regresso ao Parlamento de um PCP limitado a uma representação singular.

As últimas eleições demonstraram quão enganados estavam os aprendizes de feiticeiro do partido socialista. Mesmo um líder tão carismático como o Carlos César - veterano de tantas batalhas políticas e o último sobrevivente da primeira geração de grandes parlamentares açorianos desta autonomia – teve uma enorme dificuldade em conseguir a actual maioria absoluta.

Estou convencido que nenhum político do PSD e do PS está em condições de vir a obter uma nova maioria absoluta no novo quadro eleitoral açoriano. Assim, as eleições de 2012 serão marcadas por um novo tipo de embate bipolar: o confronto tradicional entre a direita (PSD, CDS e PPM) e a esquerda (PS, BE e PCP).

A análise lógica do sistema eleitoral - e a experiência adquirida em actos eleitorais anteriores - demonstram que as coligações pré-eleitorais não trazem qualquer vantagem eleitoral numa Região em que os duelos políticos de ilha se jogam, muitas vezes, fora do estrito campo das fronteiras partidárias.

Nesse sentido, o lógico é que cada partido conquiste, isoladamente, a sua própria representação parlamentar. A vitória de cada um dos campos políticos será definida pela dimensão, menor ou maior, da soma das direitas e das esquerdas. Por tudo isto, considero que o ciclo de maiorias absolutas nos Açores – 8 em 9 possíveis, desde 1976 – chegou ao fim.

Por isso, não percebo a estratégia suicida seguida, actualmente, pelo PS-Açores. Nos primeiros dois meses de funcionamento do novo Parlamento conseguiram juntar toda a oposição de esquerda e de direita contra si. Teria sido lógico que tivessem feito aproximações à esquerda no debate do Programa do Governo. Não o fizeram! Teria sido lógico que tivessem fomentado plataformas de entendimento mínimo à esquerda em matérias como o Estatuto da Carreira Docente. Não o fizeram!

Então o que explica este posicionamento do PS? Balanço entre duas hipóteses: a primeira é que o PS acha que poderá obter uma nova maioria absoluta em 2012, mesmo enfrentando durante toda a legislatura a artilharia das 5 colinas da oposição; a segunda é que, pura e simplesmente, ainda não têm uma estratégia delineada para o novo contexto político.

Inclino-me para a segunda hipótese. O episódio da recusa de votação do Programa do Governo – um erro político colossal – demonstra que as coisas não estão a ser pensadas e articuladas no PS-Açores (o próprio líder parlamentar do PS referiu, no seu discurso, que votaria a favor do Programa do Governo, sendo claro que foi apanhado completamente de surpresa).

O que me intriga é o papel de Carlos César nesta conjuntura. Não lhe faço nenhum favor se considerar que é um político tacticamente muito evoluído e experiente. Então como se explica a sua passividade no actual contexto? O que está por detrás desta cortina de aparente desleixo e ausência?