“O atual concurso do pessoal docente dos Açores contém um regime de prioridades que subverteu completamente, ao longo da última década, a colocação dos docentes nas escolas da Região Autónoma dos Açores. Através deste sistema, um docente – de naturalidade açoriana ou não – que tenha concluído na Universidade dos Açores uma licenciatura com média académica de 10, concorre à frente de um açoriano que tenha concluído a sua licenciatura com média de 20 em qualquer outra universidade do país ou do estrangeiro.
Mas mais! Esse docente – de naturalidade açoriana ou não - com média de dez e sem qualquer experiência profissional concorre à frente de um açoriano que tenha concluído a sua licenciatura em qualquer outra Universidade do mundo – mesmo que seja a de Lisboa, Coimbra, Aveiro, Cambridge, Oxford ou Harvard – e que tenha, por exemplo, mais de 30 anos de serviço docente.
Na prática, um açoriano que não tenha concluído a sua licenciatura na Universidade dos Açores, e que queira regressar à sua terra, não tem qualquer oportunidade de ficar colocado nas escolas dos Açores, mesmo que tenha um curriculum brilhante e décadas de experiência letiva. Estará sempre atrás do aluno – de naturalidade açoriana ou não - que tenha concluído a sua licenciatura na Universidade dos Açores, com uma média académica de dez valores.
O resultado concreto deste regime de prioridades regionais é a total feudalização do concurso docente. Não ficam colocados os que possuem melhor graduação profissional (que corresponde à soma da classificação profissional e ao tempo de serviço), mas apenas os felizardos que usufruem da prioridade.
É evidente que a lei contempla a integração no regime de prioridades de todos os docentes que conseguirem somar três anos de serviço docente na Região. Mas é uma quimera cada vez mais improvável. Conheço docentes que passaram por um calvário de 10 anos para somar os tais três anos. Isto enquanto, ano após ano, estes mesmos docentes tiveram de suportar a injustiça de serem ultrapassados por docentes sem qualquer tempo de serviço e com médias profissionais muito inferiores.
Os sistemas educativos europeus de referência possuem sistemas de seleção de docentes exigentes e abertos. Existem mesmo países que criaram programas de captação de docentes estrangeiros de qualidade. Como se preocupam em contratar os melhores, sem barreiras segregacionistas de nacionalidade ou naturalidade, alcançam bons resultados.
Nos Açores o nosso sistema educativo é, no que se refere à contratação de docentes, um reduto do apartheid. Nele se segregam muitos dos melhores, incluindo todos os açorianos que ousam tirar um curso, na área da docência, em qualquer outra universidade que não a dos Açores.
Para mim este sistema de seleção, injusto e fechado, é um dos fatores que explica por que razão o sistema educativo açoriano obtém os piores resultados do país. Os melhores da Universidade dos Açores estão entre os melhores do país, mas os piores não são – não é lógico que o sejam - melhores que os melhores de outras universidades. E a experiência e a formação contínua tem de ser valorizada. Nos Açores tudo isto conta pouco ou nada.
O que é que sucederia se no âmbito do nosso serviço regional de saúde fosse criado um sistema que privilegiasse a colocação dos médicos cuja licenciatura se tivesse iniciado nos Açores? Ou se fosse criado um sistema de privilégio para os jornalistas, engenheiros e arquitetos licenciados na Universidade dos Açores? Em que é que se transformará os Açores se o sistema de prioridades regionais se passar a aplicar em todos os serviços públicos?
A resposta é já uma evidência no âmbito do sistema educativo: um gueto autoimposto, com resultados catastróficos para os alunos açorianos. Não posso aceitar que em nome da autonomia açoriana se defendam ideias e leis fascizantes, que colocam em causa a livre circulação de bens e de pessoas no espaço democrático europeu.
Entreguei, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, uma alteração ao Regulamento do Concurso do Pessoal Docente que visa eliminar o sistema de prioridades no concurso docente (que, ainda assim, contempla quatro anos de transição).
O Parlamento dos Açores começou já a recolher, junto de todas as escolas da Região, pareceres sobre o Projeto de Decreto Legislativo regional referenciado. É necessário ter a coragem de mudar. De eliminar um sistema extremamente injusto e contraproducente para a qualidade do sistema educativo açoriano. Que discrimina açorianos. Que discrimina portugueses.
Paulo Estêvão”
In Açoriano Oriental
Paulo Estêvão”
In Açoriano Oriental