quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Administração é a arma do PS para se instalar no poder local


Entrevista publicada no jornal Diário Insular
"Qual a leitura que faz das eleições autárquicas de 29 de setembro nos Açores, tendo em conta os resultados dos dois maiores partidos (PS e PSD)?
Em 2009, o PS logrou romper, pela primeira vez na História autonómica, a tradicional hegemonia social-democrata nas autarquias açorianas. As eleições deste ano acentuaram o declínio do PSD no âmbito do poder autárquico regional, em especial nos concelhos de menor dimensão.
Constata-se, assim, que o domínio da administração regional por parte do PS significa, a médio e longo prazo, uma vantagem muito significativa para a obtenção da hegemonia desse partido no poder local açoriano. Nas autarquias de menor dimensão, a omnipresença da administração regional tutelada pelo Governo Regional desequilibra, claramente, o processo eleitoral a favor do partido governamental.
De registar, do lado do PSD, a notável resistência em Ponta Delgada e a reconquista da Câmara da Ribeira Grande. Isto significa que o PSD mantem um núcleo de resistência no poder de local que, não sendo muito alargado do ponto de vista territorial e do número de câmaras, significa, ainda assim, muito do ponto de vista demográfico e político.
Que significado atribui ao regresso do PP ao poder numa câmara municipal (Velas) e ao caso dos independentes, que entre outros resultados, também conquistaram uma câmara (Calheta)?
O Dr. Artur Lima está sob forte pressão de alguns sectores políticos, económicos e jornalísticos a quem desagrada muito a tremenda luta que este dirigente tem dado a políticas e práticas claramente centralistas (em benefício de interesses económicos e empresariais radicados na ilha de São Miguel). É evidente que não se trata de defender práticas políticas de natureza bairrista. Trata-se, tão-somente, de parar, ou pelo menos diminuir, a grande força do centralismo regional.
Neste contexto, a generalidade dos observadores políticos exteriores à ilha Terceira sinalizaram o CDS/PP - e o Dr. Artur Lima em particular - como uma das forças políticas derrotadas. Se olharmos com isenção para os resultados eleitorais, o que se pode observar é bem diferente. O CDS/PP aumentou o número de eleitos na Terceira - o núcleo do seu poder político - e construiu em redor desta ilha uma nova zona de influência e presença institucional: conquista da Câmara de Velas, reconquista de um lugar na Assembleia Municipal da Horta e conquista de um lugar na Assembleia Municipal de São Roque. Ou seja, o CDS/PP logrou construir um bastião institucional muito forte em redor da ilha Terceira (São Jorge, Faial e Pico).
É possível, em seu entender, sustentar a partir destas eleições uma análise no sentido de considerar os movimentos independentes como uma séria ameaça à hegemonia partidária? Porquê?
Não! Nenhum movimento genuinamente não partidário obteve um resultado relevante. Todos os que conseguiram bons resultados estão muito ligados à vida partidária. Sucede, no entanto, que foram preteridos nas escolhas internas dos partidos. Os principais candidatos da lista independente que ganhou na Calheta são filiados no PSD. No Porto ganhou a lista apoiada pelo Presidente e a administração autárquica cessante, coligada ao CDS/PP.
O PSD, com alguma surpresa, instalou-se no eixo demográfico Ponta Delgada-Ribeira Grande, onde se concentra mais de 40 por cento da população dos Açores. Que leitura prospetiva, designadamente tendo em conta outros atos eleitorais, esta situação lhe merece?
O círculo eleitoral da ilha de São Miguel elege 19 deputados e pelo menos mais três no âmbito do círculo de compensação. A resistência do PSD no eixo Ponta Delgada-Ribeira Grande tem, por isso, uma grande importância "geopolítica". Permite evitar o total esmagamento da oposição política nos Açores. Este espaço político tem potencial para se afirmar como uma espécie de "Astúrias" no âmbito da reconquista do poder regional aos socialistas. 
Partidos como o BE, a CDU e o PPM, que são parlamentares nos Açores, continuam, no entanto, sem poder relevante nas autarquias. Que explicações se poderão encontrar para esta situação?
O BE não tem relevância autárquica em lado nenhum e o PCP é irrelevante fora da cintura industrial de Lisboa e da planície alentejana. O PPM está presente nas Assembleias Municipais dos concelhos mais populosos do país graças à nossa associação histórica (que data de 1979) com o PSD e o CDS/PP. Nos Açores conseguimos eleger, pela primeira vez, deputados municipais fora da ilha do Corvo: em São Miguel e no Faial. Ou seja, temos mais deputados municipais eleitos, e em mais ilhas, que o BE ou o PCP. Não posso estar descontente. 
Os cadernos eleitorais estão "crivados" de "eleitores fantasmas". Uma análise feita pelo PS para o concelho de Angra do Heroísmo aponta para cerca de 30 por cento. Como valoriza esta situação? Parece-lhe que a convivência com tanta abstenção, apesar de falsa, pode degradar a imagem da democracia aos olhos do povo?
Os níveis de abstenção são falsos, uma vez que muitos dos eleitores que não votam vivem, há muitos anos, nos Estados unidos e no Canadá. O aumento artificial do número de eleitores quase conduziu, nos Açores, ao aumento do número de deputados (de 57 para 64). Devem-se ao PPM, com o apoio dos restantes partidos regionais, as iniciativas legislativas que impediram esse aumento na anterior legislatura e também na atual. É necessário alterar os mecanismos do recenseamento eleitoral, mas isso só pode ser feito ao nível da Assembleia da República.  
Tem alguma ideia sobre como poderá ser possível adaptar os cadernos eleitorais, através de um processo de atualização automática, à realidade demográfica/eleitoral de cada momento?
Temos de criar um sistema que atualize automaticamente os cadernos eleitorais. Tudo isto tem, no entanto, os seus perigos. Imagine-se, por exemplo, o impacto da transferência automática de 40 eleitores para a ilha do Corvo.  
Tendo em conta, por exemplo, a derrota da coligação PSD-PP em Angra do Heroísmo e a derrota do PS na Ribeira Grande, parece-lhe que a situação nacional, por um lado e a longevidade do PS no poder regional nos Açores, por outro, poderão, nalguma medida, ter influenciado os resultados eleitorais nas autarquias açorianas?
Os dois fatores referidos contam, mas as eleições autárquicas não são uma ciência exata. Pesa, também, o carisma pessoal dos candidatos e o contexto local. Por exemplo, o Álamo Meneses, um dos maiores coveiros da influência da ilha Terceira no contexto regional, foi eleito em nome da revalorização política desta ilha. Tudo isto constitui um absurdo total. Mas o que é certo é que aconteceu."
In Diário Insular