Fiquei hoje a conhecer, graças ao blogue Almariada, o poema épico Caramuru de Frei José de Santa Rita Durão (1722-1784), um padre agostiniano doutorado em Filosofia e Teologia pela Universidade de Coimbra.
Caramuru é um belo poema épico de dez cantos que segue o modelo de Camões. O autor descreve assim a sua obra: “Os sucessos do Brasil não mereciam menos um Poema que os da Índia. Incitou-me a escrever este o amor da Pátria. A acção do poema é o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século XVI por Diogo Álvares Correia, nobre Vianés, compreendendo em vários episódios a história do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas, como também a natural, e política das colónias.”
Curiosa é a referência que o autor faz à lenda da Estátua Equestre da ilha do Corvo. Aqui deixo essa belíssima passagem:
CARAMURU
CANTO I
LXIII
E quer na nuvem própria, que te indico, Que esse cadáver meu vá transportado, E na Ilha do Corvo, de alto pico O vejam numa ponta colocado; Onde acene ao país do metal rico, Que o ambicioso Europeu vendo indicado, Dará lugar, que ouvida nele seja A doutrina do Céu, e a voz da Igreja.
LXIV
Disse; e cessando a voz, e a visão bela, Viu da nuvem Áureo, que o rodeava, Transformar-se a bela Alma em clara estrela, E viu que a nuvem sobre o mar voava: O cadáver também sublime nela, Ao cume do grão-pico já chegava; Onde a névoa, que no alto se sublima, Depõe como uma Estátua o corpo em cima.
LXV
Ali batido do nevado vento, De Sol, de gelo, e chuva penetrado, Efeito natural, e não portento É vê-lo, qual se vê, petrificado. Um arco tem por bélico instrumento (15), De pluma um cinto sobre a frente ornado: Outro onde era decente: em cor vermelho, Sem pêlo a barba tem; no aspecto é velho.
LXVI
Voltado estava às partes do Ocidente, Donde o Áureo Brasil mostrava a dedo, Como ensinando a Lusitana Gente, Que ali devia navegar bem cedo: Destino foi do Céu Omnipotente, A fim que sem receio, ou torpe medo À piedosa empresa o Povo corra; E que quem morrer nela, alegre morra.
Notas (as notas 11, 12, 13 e 14 não estão assinaladas no texto)
(11) Estátua. — É estimada por prodigiosa a estátua que se vê ainda na ilha do Corvo, uma dos Açores, achada no descobrimento daquela ilha sobre um pico, apontando para a América. Foi achada sem vestígio de que jamais ali habitasse pessoa humana. Devo a um grande do nosso reino, fidalgo eruditíssimo, a espécie de que se conserva uma história desta estátua manuscrita, obra do nosso imortal João de Barros.
(12) Selvagem. — Não supomos único o selvagem, que o padre Anchieta achou em o estado que aqui se descreve. Muitos teólogos se persuadem que Deus por meios extraordinários instruíra a quem vivesse na observância da lei natural.
(13) Tupá. — Os selvagens do Brasil têm expressa noção de Deus na palavra Tupá, que vale entre eles excelência superior, coisa grande que nos domina.
(14) Suspendo. — Até aqui são os limites do lume natural, e como ele somente o alcança a filosofia; porém o remédio de natureza humana, ferida pela culpa, não pode constar-nos senão pela revelação.
(15) Um arco. — As memórias desta estátua concordam em ser o seu trajo desconhecido; toma daqui ocasião o poeta para o representar arbitrariamente.
Caramuru é um belo poema épico de dez cantos que segue o modelo de Camões. O autor descreve assim a sua obra: “Os sucessos do Brasil não mereciam menos um Poema que os da Índia. Incitou-me a escrever este o amor da Pátria. A acção do poema é o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século XVI por Diogo Álvares Correia, nobre Vianés, compreendendo em vários episódios a história do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas, como também a natural, e política das colónias.”
Curiosa é a referência que o autor faz à lenda da Estátua Equestre da ilha do Corvo. Aqui deixo essa belíssima passagem:
CARAMURU
CANTO I
LXIII
E quer na nuvem própria, que te indico, Que esse cadáver meu vá transportado, E na Ilha do Corvo, de alto pico O vejam numa ponta colocado; Onde acene ao país do metal rico, Que o ambicioso Europeu vendo indicado, Dará lugar, que ouvida nele seja A doutrina do Céu, e a voz da Igreja.
LXIV
Disse; e cessando a voz, e a visão bela, Viu da nuvem Áureo, que o rodeava, Transformar-se a bela Alma em clara estrela, E viu que a nuvem sobre o mar voava: O cadáver também sublime nela, Ao cume do grão-pico já chegava; Onde a névoa, que no alto se sublima, Depõe como uma Estátua o corpo em cima.
LXV
Ali batido do nevado vento, De Sol, de gelo, e chuva penetrado, Efeito natural, e não portento É vê-lo, qual se vê, petrificado. Um arco tem por bélico instrumento (15), De pluma um cinto sobre a frente ornado: Outro onde era decente: em cor vermelho, Sem pêlo a barba tem; no aspecto é velho.
LXVI
Voltado estava às partes do Ocidente, Donde o Áureo Brasil mostrava a dedo, Como ensinando a Lusitana Gente, Que ali devia navegar bem cedo: Destino foi do Céu Omnipotente, A fim que sem receio, ou torpe medo À piedosa empresa o Povo corra; E que quem morrer nela, alegre morra.
Notas (as notas 11, 12, 13 e 14 não estão assinaladas no texto)
(11) Estátua. — É estimada por prodigiosa a estátua que se vê ainda na ilha do Corvo, uma dos Açores, achada no descobrimento daquela ilha sobre um pico, apontando para a América. Foi achada sem vestígio de que jamais ali habitasse pessoa humana. Devo a um grande do nosso reino, fidalgo eruditíssimo, a espécie de que se conserva uma história desta estátua manuscrita, obra do nosso imortal João de Barros.
(12) Selvagem. — Não supomos único o selvagem, que o padre Anchieta achou em o estado que aqui se descreve. Muitos teólogos se persuadem que Deus por meios extraordinários instruíra a quem vivesse na observância da lei natural.
(13) Tupá. — Os selvagens do Brasil têm expressa noção de Deus na palavra Tupá, que vale entre eles excelência superior, coisa grande que nos domina.
(14) Suspendo. — Até aqui são os limites do lume natural, e como ele somente o alcança a filosofia; porém o remédio de natureza humana, ferida pela culpa, não pode constar-nos senão pela revelação.
(15) Um arco. — As memórias desta estátua concordam em ser o seu trajo desconhecido; toma daqui ocasião o poeta para o representar arbitrariamente.