sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A Entrevista ao Expresso das Nove

Perfil

Paulo Estêvão, natural de Serpa, é licenciado em História pela Universidade de Évora. É docente na Região Autónoma dos Açores desde 1995. Leccionou nas ilhas Terceira, Faial, Pico e Corvo. Foi, durante os últimos sete anos e até à sua candidatura às eleições legislativas regionais, presidente do Conselho Executivo da Escola do Corvo. Assumiu, há três anos, a vice-presidência nacional do PPM. É responsável pela estrutura regional do partido. Foi membro da Assembleia Municipal da Horta. É presidente do Grupo Municipal do PPM na Assembleia Municipal de Vila Nova do Corvo. É também membro do Conselho de Ilha do Corvo. Colabora assiduamente com a imprensa regional. Paulo Estêvão vai lançar este mês um livro intitulado "César, o ditador". Segundo o próprio é uma obra polémica, que fará a leitura daquilo que considera ser o domínio absoluto do PS e a confusão total entre a administração pública e o partido.

O que é que o Partido Popular Monárquico – Açores (PPM-A) apresenta aos açorianos nestas eleições legislativas?

Um primeiro aspecto que para nós é essencial prende-se com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Consideramos, como ficou demonstrado pela intervenção do Presidente da República, que é essencial negociar com o Estado um novo paradigma de enquadramento, em termos constitucionais, da Autonomia. Não defendemos um Estado unitário, em que existem Regiões Autónomas, mas um Estado Confederal. Ou seja, os Açores e a Madeira seriam Estados dentro da estrutura constitucional. As Forças Armadas, os negócios estrangeiros e a figura do Chefe de Estado permaneceriam sobre alçada do Estado Confederal. Para todas as outras áreas defendemos o autogoverno.

No Continente, a tendência é para limitar a autonomia. As declarações de Cavaco Silva em relação ao Estatuto são disso exemplo…

No que concerne à Autonomia há sempre o Tribunal Constitucional ou o Presidente da República a impor limitações. As potencialidades da Região, em termos económicos e geo-estratégicos, do ponto de vista da sua afirmação autonómica e da sua cultura, só podem ser realizadas no âmbito de uma estrutura em que não exista hierarquia entre o Estado e a Região. Consideramos que, em algumas áreas, os Açores podem fazer melhor do que faz o Estado. Por exemplo, no que concerne à segurança pública continuamos com um dispositivo que remonta às décadas de 1960 e 1970, período em que não tínhamos os índices de criminalidade actuais. E o Estado não resolve este problema. Os Açores têm de evoluir no mesmo sentido de outras regiões autónomas da Europa, nomeadamente as Canárias que criaram a sua própria polícia.

O PPM-A vai concorrer às legislativas de Outubro próximo por todos os círculos eleitorais. Como está a decorrer o processo de formação das listas?

Para nós é um processo sempre difícil. Contudo, desde 2000 que concorremos por todos os círculos, à excepção do de Santa Maria em 2004. Conseguimos criar e ter essa dimensão. Nós, o PSD, o PS, a CDU e o CDS-PP. Mais nenhum outro partido o consegue fazer. Mas é um esforço muito significativo para o PPM-A. São 120 candidatos. Isso significa que temos, com a criação do Círculo Regional de Compensação, de organizar dez processos. É um grande esforço para um partido que tem poucas verbas e quadros.

É cabeça de lista pelo Círculo de Ilha do Corvo e pelo Círculo Regional de Compensação. Quais as suas expectativas?

O Círculo Regional de Compensação foi criado a pensar nas ilhas do Corvo e das Flores, mais concretamente para compensar alguns desequilíbrios provocados por eleições atípicas nos pequenos círculos. Não obstante, a ilha de S. Miguel tem um peso decisivo no que toca ao Círculo de Compensação. Representa 55% da população dos Açores pelo que tem um peso, juntamente com a Terceira, decisivo. São estes dois círculos que elegem os cinco deputados [do Círculo Regional de Compensação]. Quanto ao PPM-A, conjunturalmente e na medida em que contamos eleger um deputado pela ilha do Corvo, círculo em que são necessários menos eleitores, o Círculo de Compensação não terá impacto. Há, contudo, em relação aos grandes partidos um fenómeno muito curioso. Consideremos o cenário – a meu ver bastante real – em que o Corvo elege um deputado do PS e outro do PPM. Tal significa que o PSD perde o seu mandato. Não obstante, é compensado automaticamente pelo Círculo de Compensação. Ou seja, quem perde na ilha do Corvo ganha no Círculo de Compensação.

Consideremos um cenário em que o PS ou o PSD necessitam, na Assembleia Legislativa Regional, de um entendimento – coligação ou não – com os partidos mais pequenos. Como actuaria o PPM-A?

Não acredito num cenário de maioria relativa. Não tenho dúvidas que o PS irá ganhar estas eleições com maioria absoluta. Também não tenho qualquer tipo de dúvida de que ganhará de forma esmagadora no círculo de S. Miguel, o qual é decisivo não só para eleger 19 deputados mas também os cinco do Círculo Regional de Compensação. Mas, para responder directamente à sua questão, acredito que o PS poderá ter apoio à esquerda. Do PPM-A, no parlamento regional, nunca o terá.

Vamos supor que está em causa um diploma com o qual o PPM-A concorda e que até considera necessário para o bem-estar dos açorianos. Poderão haver excepções?

Não tenho dúvidas de que farei, na Assembleia Legislativa Regional, o que sempre fiz na Assembleia Municipal da Horta e na Assembleia Municipal do Corvo, que é votar a favor de propostas – sejam de que partido for – que considere benéficas para a população ou indispensáveis para o bom funcionamento das instituições. Mas, não assumirei, em qualquer circunstância, um compromisso com o PS, porque há uma enorme diferença em relação ao conceito de governação e às ideologias.

Acha que é necessária a presença de outros partidos na Assembleia para oposição ao Governo Regional e ao PS?

Acho fundamental. Nesta legislatura atingimos uma bipolarização quase perfeita, que foi redutora da democracia. Não estava representado no parlamento – órgão que é o símbolo da autonomia – todo o conjunto de opiniões e isso resultou num problema grave para a democracia açoriana. Isso remete-me para outra questão que tem a ver com um abuso de poder por parte do PS. A pluralidade de opiniões é fundamental para que a discussão possa ser mais acesa e ter mais caminhos e perspectivas. Gostava também de dizer que o PSD não se dá bem na oposição. É o partido que esteve, em Portugal, mais tempo no poder e por isso dá-se muito mal na oposição. Por outro lado, as suas lideranças são a prazo. O partido está à espera que o poder lhe caia nas mãos. Vejam-se estas eleições: há um líder que, como toda a gente já percebeu, não tem qualquer hipótese de vir a ser Presidente do Governo Regional. Por outro lado, Berta Cabral é candidata pelo Círculo de Ilha de S. Miguel, mas vai para o banco porque continuará a exercer o seu mandato na Câmara Municipal de Ponta Delgada. Só vai aparecer em 2012. Entretanto, o PSD não vai fazer oposição política. Vai esperar até 2012 por um cenário que lhe seja mais favorável, resultado de um maior desgaste do PS e da saída do actual Presidente do Governo Regional. Entretanto, de 2008 a 2012, alguém tem de fazer oposição a sério e é isso que o PPM-A se propõe a fazer. Não vamos para o banco esperar por uma conjectura melhor.

O que é que os monárquicos podem oferecer à democracia e Autonomia nos Açores?

O PPM é um dos partidos políticos, em conjunto com o PSD e o CDS-PP, fundadores da área da direita. Nunca teve projecção nos Açores porque, na altura, Mota Amaral não aceitou a coligação. Somos um partido como os outros. Defendemos um regime político diferente. Numas eleições regionais esse problema não se coloca porque a questão de regime é para o conjunto do País, mais concretamente ao nível do parlamento nacional. Esta questão não faz parte dos nossos programas regionais. Não queremos uma monarquia açoriana. É, no fundo, uma questão de regime. O PS assume-se, nos seus estatutos, como partido republicano. O Partido Comunista Português também. Já o Partido Social-democrata e o Partido Popular não fazem uma opção de regime. A única diferença é que na nossa sigla está a referência a "Monárquico". Logo à partida está a nossa preferência por um regime monárquico, como tem a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a Noruega, a Suécia ou a Dinamarca. Defendemos a opção de uma monarquia moderna e liberal. Mas há muitas pessoas que estão no partido por outros pontos programáticos, que são republicanas, mas que se revêem no nosso discurso.

Gonçalo da Câmara Pereira é o cabeça de lista por S. Miguel, mas não é açoriano. Porquê esta escolha?

Por duas razões muito práticas. A primeira tem a ver com o facto de constatarmos que é impossível para os pequenos partidos dar a conhecer um candidato e que o mesmo tenha projecção junto de pelo menos 10% da população. É difícil. São poucos os políticos regionais que são conhecidos em todo o Arquipélago. São na sua ilha e muitas vezes por margens pequenas. Os políticos verdadeiramente conhecidos são o líder da oposição e o Presidente do Governo Regional. Mesmo os membros do Executivo não são verdadeiramente conhecidos. É, portanto, muito difícil conseguir lançar uma figura que possa ter projecção. Nesse sentido, optámos por uma personalidade mediática que, embora não sendo dos Açores, se comprometeu a cumprir, caso seja eleito, o seu mandato.

Acha que os açorianos vão aceitar esta candidatura?

Pela experiência que tenho tido, existe uma grande aceitação. Vamos ver se a mesma se traduz em votos, mas há uma grande proximidade. Nunca foi tão fácil ao PPM-A fazer campanha como aquela que estamos a fazer em S. Miguel. Entramos em qualquer sítio e o candidato é reconhecido. As pessoas gostam dele. A partir daí é mais fácil transmitir a nossa mensagem. E o Gonçalo da Câmara Pereira, além de ser o segundo vice-presidente nacional do PPM, é um dos fundadores do partido. É alguém que está, desde 1974, sempre disponível para as lutas políticas. Surgiram, contudo, algumas críticas por parte do PSD ou de sectores dentro do partido. Mas, a resposta para eles é simples: em 2005, Costa Neves foi cabeça de lista pelo distrito de Portalegre, que também é o distrito de Gonçalo da Câmara Pereira. Na altura, esta questão também foi colocada: será que os alentejanos vão votar num açoriano? Será que os açorianos vão votar agora num alentejano? Acho que o que é importante é a mensagem do partido. Por outro lado, podemos situar esta questão em outro contexto, mais concretamente o da ausência da direita em S. Miguel. Fizemos esta aposta porque pediram ao PPM-A para ser uma alternativa credível. Vamos aplicar, em S. Miguel, um conjunto de meios como nunca o fizemos em 30 anos de história do partido. E porquê? O líder do CDS está barricado na Terceira. Fez, no parlamento, declarações contraditórias em relação aos interesses da ilha de S. Miguel e com um discurso muito bairrista. Em relação a Costa Neves é a mesma coisa. S. Miguel foi a única ilha onde perdeu as directas. Não há uma aceitação da sua liderança. A direita [em S. Miguel] quase não vai a votos. Os líderes do Bloco de Esquerda, do PCP e do PS residem nesta ilha, ou seja, todas as forças de esquerda estão representadas em S. Miguel. Era necessária uma alternativa à direita.

Os eleitores querem uma alternativa aos dois principais partidos?


Sim. E fizemos esta aposta. O conjunto de meios que estamos a aplicar resulta de um eleitorado que não é do PPM-A. Mas, é um eleitorado conservador que não se revê no CDS e PSD actuais e que acha que o PPM-A deve fazer oposição. Repare, o CDS não faz oposição política. É um partido que o PS alimenta, dando-lhe apoio em determinadas propostas emblemáticas. O CDS não é, neste momento, uma oposição credível. Todos percebem isso. E o PSD – os militantes e simpatizantes dos social-democratas – da ilha de S. Miguel não se revê na sua liderança. Consideramos que o eleitorado está sedento, como tal tínhamos a obrigação de fazer o possível, dentro das nossas possibilidades e dimensão, para tentar eleger um deputado.

Como caracteriza a actuação do Governo Regional dos Açores e do PS na Assembleia?

Achei importante o término do mandato do PSD em 1996. A sociedade estava totalmente dominada. Era necessária uma abertura. Os Açores viviam um regime quase ditatorial. A partir de 1996, o clientelismo mudou. Quem se habituou, durante tantos anos, a dominar a sociedade perdeu influência. Foi importante a alternância política. Mas, depois o que aconteceu foi que o PS se transformou naquilo que foi o PSD durante 20 anos. O PS está a fechar-se sobre si próprio e sobre um conjunto de interesses, patente nos independentes, que, afinal, não passam de lobbies.