quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Em defesa da Liberdade e da Democracia

Declaração Política


(Em defesa da Liberdade e da Democracia)


Senhor Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo

O maior dos Presidentes americanos, Abraham Lincoln, definiu, uma vez, a democracia e a liberdade como o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. No momento em que proferiu este discurso memorável, Lincoln falava num cemitério militar. Honrava aqueles que tinham dado a sua vida pela liberdade dos outros.

Nos nossos dias, a defesa da liberdade e da democracia não exige um sacrifício tão dramático. A defesa da democracia exige que todos cumpram o seu dever de cidadania, pelo qual tantos, ao longo da história, deram as suas vidas. O cumprimento desse dever honrará a memória de todos os democratas que deram a sua vida em defesa da democracia. Só por si, essa já seria razão, mais que suficiente, para votar.

No entanto, o governo do povo, pelo povo e para o povo não se coaduna com tibiezas na defesa da legitimidade das instituições democraticamente eleitas. Aqueles que defendem o voto em branco como forma de protesto são inimigos da liberdade e da democracia. Aqueles que defendem a abstenção como forma de protesto são inimigos da liberdade e da democracia.

Quem não concorda com as políticas do Governo, deve votar nos partidos da oposição. Quem não concorda com as alternativas dos partidos da oposição, deve votar no partido governamental. Quem não concorda nem com uns, nem com outros, tem o dever de criar alternativas democráticas, criando outros partidos ou outras formas de intervenção cívica.

Ficar em casa à espera que tudo se derrube. Ficar à espera – como alguns dizem – que chegue um novo Salazar, é absolutamente, rotundamente, condenável.

Senhor Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo

Vivemos tempos difíceis. Nenhum governo possui a receita milagrosa para melhorar instantaneamente as coisas. Acredito que muitos governos fazem o melhor que sabem e podem. A única forma de melhorar o governo do povo pelo povo e para o povo é através da participação de todos no processo político. Todos devemos ser políticos.

Que moralidade têm, para criticar, aqueles que ficam comodamente em casa a protestar. Para mim não têm nenhuma. No entanto, considero que a participação democrática, sendo um dever cívico, não deve ser imposta à custa da liberdade. O paradoxo seria que, para defendermos a liberdade, limitaríamos essa mesma liberdade. A partir daí corremos o risco de entrar numa espiral de medidas – que sendo inicialmente bem-intencionadas – podem levar-nos a impor uma democracia iluminada aos descrentes, aos niilistas ou aos menos informados.

O caminho não é, por isso, o voto obrigatório. O caminho da defesa da democracia começa num maior esforço de todos para dar respostas aos cidadãos. Começa nas escolas reforçando a educação cívica. Ensinando o que custou a democracia. Demonstrando que ela é como o ar que respiramos: todos a respiramos e a partilhamos, mas só lhe daremos verdadeiro valor se, um dia, a deixarmos de ter. Por isso temos de a proteger das suas próprias fragilidades e contradições. Temos de ter uma postura ecológica combatendo a poluição que é a abstenção. A democracia não é um dado adquirido. É necessário lutar por ela todos os dias do resto das nossas vidas.

Senhor Presidente
Srs. Deputados
Srs. Membros do Governo

O que vou dizer a seguir é o meu contributo para a democracia. Vou expressar a minha incomodidade em relação a alguns assuntos, em nome dos eleitores que me elegeram. Não falo por todos, falo por alguns. Não se esqueçam que a democracia é para todos.

Sempre achei que, uma vez chegado ao Parlamento, a minha voz, e a dos que represento, seria ouvida nesta casa da liberdade se as causas fossem inequivocamente justas. Só quando se ouvem os outros e se age no sentido de resolver os problemas concretos é que a democracia se cumpre.

Constato, com grande pena e desilusão, que nem sempre é assim. Trabalho, neste Parlamento, em condições de absoluta desigualdade. A delegação desta Assembleia na ilha do Corvo é um direito estatutário, uma condição de igualdade para mim e para aqueles que represento.

Digo-vos, que cada dia em que todos os outros deputados usufruem de algo que me é negado por inércia, incompetência, cálculo político ou qualquer outra razão é uma negação da igualdade e da democracia neste Parlamento. Lembrem-se, todos os dias que se sentarem nos vossos gabinetes e utilizarem os meios que a democracia colocou à vossa disposição, lembrem-se que – nesse mesmo dia – isso me foi negado.

Lembrem-se que cada vez que puderem ficar junto dos vossos filhos, porque podem participar numa sessão por videoconferência, lembrem-se que isso me foi negado. Lembrem-se, quando se sentarem nos vossos gabinetes na próxima segunda-feira, que eu não terei essa possibilidade, apesar da lei me reconhecer esse direito.

Espero, há sete meses, pela vossa consciência. Espero, há sete meses, que me sejam dadas condições para desenvolver o meu trabalho parlamentar na ilha onde vivo e quero viver, aconteça o que acontecer.

Não se esqueçam de adicionar, por cada dia que passa, uma parcela de desigualdade na nossa democracia. A abstenção também se combate assim, agindo contra a desigualdade. Agindo contra a injustiça. Tudo isso deveria começar neste Parlamento.

Se o preconceito, a negligência e a desigualdade triunfam assim no nosso Parlamento, então algo vai de facto mal no nosso sistema político.

Disse!


Horta, 17 de Junho de 2009