segunda-feira, 6 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A comissão"

Nas últimas semanas, a propósito da eleição do Presidente Comissão de Inquérito ao Transporte Marítimo de Passageiros e Infraestruturas Portuárias, o PS-Açores deixou-se arrastar para uma polémica inútil e desgastante, que revelou a impreparação da liderança da sua bancada parlamentar.
O que tinha o PS a ganhar com esta polémica? Nada, absolutamente nada! Pelo contrário, o que logrou passar para a opinião pública é que o Governo socialista e a Administração temem o resultado do Inquérito. O que explica então o posicionamento do Grupo Parlamentar do PS? Que objetivos políticos pretendia atingir? Que vantagens estratégicas pensava alcançar com o posicionamento que adotou? Perspetivou a evolução política da questão e a impossibilidade jurídica e política de sustentar a sua posição inicial?
A resposta a estas perguntas é fácil: nem sequer se deram ao trabalho de discutir e analisar detalhadamente a questão. Decidiram fazer a primeira coisa que lhes passou pela cabeça, de acordo com o instinto pavloviano que o nome do deputado indicado pelo PSD lhes despertou. Tudo o resto é apenas a história de um fracasso anunciado. Uma espécie de bónus pascal que o deputado Berto Messias se empenhou em oferecer à oposição política açoriana.
A narrativa do episódio é fácil de sintetizar. Criado o impasse, a Presidente do Parlamento decidiu, muito logicamente, solicitar um parecer jurídico. Como se esperava, o parecer jurídico elaborado pelo constitucionalista Rui Medeiros e pelo jurista António Cadilha (da sociedade de advogados Sérvulo e Associados), a respeito do regime de eleição da mesa da Comissão de Inquérito ao Transporte Marítimo de Passageiros e Infraestruturas Portuárias, arrasou, por completo, a posição do Grupo Parlamentar do PS. Vale a pena relembrar um pouco a lição oferecida pelos distintos juristas ao PS.
Diz o parecer que “na verdade, as comissões de inquérito são um instrumento fundamental para o exercício, seja pela Assembleia da República seja pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, de uma das suas mais importantes funções: a de vigiar o cumprimento da Constituição e das leis e de apreciar os atos do Governo e da Administração. Neste quadro, a doutrina reconhece unanimemente que tal instrumento está sobretudo vocacionado para ser usado pelas minorias como mecanismo de controlo parlamentar do exercício das tarefas governativas. Trata-se, portanto, como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, de um verdadeiro poder potestativo, que torna a constituição das comissões de inquérito independente do controlo da maioria parlamentar”.
Neste contexto, e no sentido de proteger a eficácia e a independência das comissões de inquérito, o parecer defende, muito logicamente, que o Partido requerente da comissão deve designar o respetivo presidente. Argumenta o parecer que “neste plano, um dos aspetos do funcionamento das comissões de inquérito que, em nossa opinião, carece de um regime particular, por forma a assegurar a eficácia desses instrumentos, prende-se com o modo de escolha do presidente da comissão. Quando este órgão auxiliar do parlamento tenha origem num requerimento apresentado por um quinto dos deputados – traduzindo-se, portanto, num instrumento de fiscalização da minoria parlamentar –, tal regime deverá assegurar que o presidente é escolhido por essa minoria, uma vez que tal constitui um elemento decisivo para que a comissão cumpra a função a que está destinada”.
Sustenta ainda o parecer jurídico que a designação do Presidente da Comissão por parte do Partido requerente “permite eliminar a possibilidade de, por via da recusa em apresentar um candidato para a presidência da comissão e da reprovação dos vários candidatos que sejam propostos por parte dos deputados requerentes, a maioria parlamentar possa exercer o seu direito de voto para, abusivamente, obstaculizar ao funcionamento deste órgão, protelando indefinidamente o seu início de funções”.Ora, era precisamente isto que o Grupo Parlamentar do PS estava a fazer neste caso em concreto: estava a obstaculizar e a protelar o funcionamento da Comissão.
Moral da história. O Grupo Parlamentar do PS teve de submeter-se a uma lição de democracia que normalmente está especialmente reservada aos Aiatolas deste mundo e, adicionalmente, garantiu que, de futuro, não voltará a presidir a comissões de inquérito da iniciativa da oposição. Bravo! Vou propor a atribuição de condecorações monárquicas para o Berto Messias e para o Miguel Costa.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 04/04/2015)