quarta-feira, 1 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A Monarquia Socialista"

O enorme desfasamento entre a realidade percecionada pelo poder governamental socialista e o que realmente se está a passar na sociedade açoriana constitui um indício irrefutável de que este ciclo governativo se encontra amplamente esgotado.
As dificuldades que a maior parte da sociedade açoriana está a enfrentar são, neste momento, extremas. Trata-se já – para muitos – de pura sobrevivência. Trata-se, tão-somente, de ter o suficiente para servir uma refeição decente aos filhos e de ter algum dinheiro para pagar a luz e a água. São milhares os que vivem nesta situação limite.
 Para outros, a antiga classe média, a batalha de cada mês é conseguir reunir a verba necessária para assegurar a permanência dos filhos na Universidade. Cada vez são mais os que não conseguem alcançar esse desiderato. Para esses pais, a humilhação e a revolta é profunda.
Para muitos pais, o drama é agora outro. Depois de vários anos de sacrifícios financeiros extremos, os seus filhos enfrentam agora o desemprego ou a colocação em programas ocupacionais pagos, miseravelmente, por um Governo socialista que só quer maquilhar as estatísticas arrasadoras que os Açores enfrentam. Compreendo a exasperada revolta dos pais que, tendo passado sacrifícios inimagináveis para pagar a formação dos seus filhos, observam agora como os filhos dos sátrapas do regime socialista ocupam, alegremente, os poucos cargos qualificados que restam na sociedade açoriana. 
Sinto que alguma coisa de muito grave está para suceder nas ilhas que enfrentam desigualdades sociais gritantes, como é o caso de São Miguel e da Terceira. Nestas ilhas, as tensões sociais estão ao rubro. Não existem meios e, sobretudo, não existe qualquer réstia de esperança num futuro melhor. Nestas condições, o desespero acabará por atear, a curto prazo, o rastilho da revolta e da contestação violenta. 
Mas se tudo isto me parece evidente, para o regime os dias correm com a alegre tranquilidade de sempre. Na aparentemente bucólica Corte socialista, o tempo é de intrigas e de jogadas palacianas. O sofrimento do povo é inaudível para este grupo de cortesãos que abocanham os recursos do povo açoriano.  
O anterior Presidente do Governo Socialista “deixou tudo atado e bem atado”. A verdade é que o Vasco Cordeiro quase não tem espaço de afirmação política autónoma. Existem amplos sectores da administração regional que estão visivelmente vedados à sua ação direta. Locais em que um qualquer condottiero impõe a sua lei. O Vasco Cordeiro ainda não conseguiu libertar-se do homem que o escolheu e do sistema de pesos e de contrapesos que esse mesmo homem teceu ardilosamente em seu redor.  
O homem que o escolheu não calçou as pantufas ou ingressou num mosteiro à boa maneira de Carlos V. Esse homem, Carlos César, escolheu governar vitaliciamente o PS/Açores e, através dele, os Açores. Não está, evidentemente, definido como vitalício o cargo de Presidente Honorário do PS/Açores – com a agravante do cargo possuir um conjunto vastíssimo de competências executivas, nomeadamente a de presidir à comissão regional e a de acumular as funções de Presidente do Partido em caso de ausência ou impedimento prolongado do respetivo titular - embora se constate que assim é de facto. 
Veja-se que, de acordo com o n.º 1 do artigo 38.º dos Estatutos do PS/Açores, o mandato do Presidente Honorário é automaticamente renovado quando a Comissão Regional”, a que ele próprio preside, “não delibere a inscrição da sua eleição ou destituição na ordem de trabalhos do Congresso”. Ainda assim, a destituição “só pode ocorrer maioria de dois terços dos votos expressos”. Note-se, ainda, que é o Presidente Honorário que preside ao Congresso, elabora a respetiva convocatória e propõe os membros que integrarão a Mesa do Congresso.
Por aqui se conclui que o Presidente Honorário do PS/Açores poderá permanecer em funções, sem ser reeleito e se ter de submeter a novo escrutínio, de forma vitalícia (os mecanismos de destituição estão, na prática, bloqueados pelo titular do cargo). O mandato é automaticamente renovado, por simples inércia. Esta “monarquia de facto, mas não de direito” que se instalou no PS/Açores é, em última análise, a causa da ruína desse partido. Impede qualquer renovação de políticas e bloqueia qualquer processo de reforma interna. O PS/Açores assemelha-se, assim, a um grande sarcófago, construído para eternizar a influência e a presença física e espiritual de um líder que não quer deixar de o ser.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 23/02/2015)