quarta-feira, 22 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "Democracia ou Democracia"

O maior dos presidentes americanos, Abraham Lincoln, definiu a democracia e a liberdade como o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. No momento em que proferiu este discurso memorável, Lincoln falava num cemitério militar. Honrava aqueles que tinham dado a sua vida pela liberdade dos outros. Vale a pena reproduzir, na íntegra, este notável discurso:
“Há 87 anos, os nossos pais deram origem neste continente a uma nova Nação, concebida na Liberdade e consagrada ao princípio de que todos os homens nascem iguais. Encontramo-nos atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra Nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar. Eis-nos num grande campo de batalha dessa guerra. Eis-nos reunidos para dedicar uma parte desse campo ao derradeiro repouso daqueles que, aqui, deram a sua vida para que essa Nação possa sobreviver. É perfeitamente conveniente e justo que o façamos.  
Mas, numa visão mais ampla, não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos santificar este local. Os valentes homens, vivos e mortos, que aqui combateram já o consagraram, muito além do que nós jamais poderíamos acrescentar ou diminuir com os nossos fracos poderes. O mundo muito pouco atentará, e muito pouco recordará o que aqui dissermos, mas não poderá jamais esquecer o que eles aqui fizeram.  
Cumpre-nos, antes, a nós os vivos, dedicarmo-nos hoje à obra inacabada até este ponto tão insignemente adiantada pelos que aqui combateram. Antes, cumpre-nos a nós os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente – que estes mortos veneráveis nos inspirem maior devoção à causa pela qual deram a última medida transbordante de devoção – que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que esses homens não morreram em vão, que esta Nação com a graça de Deus venha gerar uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra.”
Nos nossos dias, a defesa da liberdade e da democracia não exige um sacrifício tão dramático. A defesa da democracia exige que todos cumpram o seu dever de cidadania, pelo qual tantos, ao longo da história, deram as suas vidas. O cumprimento desse dever honrará a memória de todos os democratas. Só por si, essa já seria uma razão, mais que suficiente, para votar.
No entanto, o governo do povo, pelo povo e para o povo não se coaduna com tibiezas na defesa da legitimidade das instituições democraticamente eleitas. Aqueles que defendem o voto em branco como forma de protesto são inimigos da liberdade e da democracia. Aqueles que defendem a abstenção como forma de protesto são inimigos da liberdade e da democracia.
Quem não concorda com as políticas do Governo, deve votar nos partidos da oposição. Quem não concorda com as alternativas dos partidos da oposição, deve votar no partido governamental. Quem não concorda nem com uns, nem com outros, tem o dever de criar alternativas democráticas, criando outros partidos ou outras formas de intervenção cívica.
Ficar em casa à espera que tudo se derrube. Ficar à espera – como alguns dizem – que chegue um novo Salazar, é absolutamente, rotundamente, condenável. Vivemos tempos difíceis. Nenhum governo possui a receita milagrosa para melhorar instantaneamente as coisas. Acredito que muitos governos fazem o melhor que sabem e podem. A única forma de melhorar o governo do povo pelo povo e para o povo é através da participação de todos no processo político. Todos devemos ser políticos.
Que moralidade têm, para criticar, aqueles que ficam em casa a protestar? Para mim, não têm nenhuma. No entanto, considero que a participação democrática, sendo um dever cívico, não deve ser imposta à custa da liberdade. A partir daí correríamos o risco de entrar numa espiral de medidas que, sendo inicialmente bem-intencionadas, teriam como consequência a imposição de uma democracia iluminada aos descrentes, aos niilistas ou aos menos informados.
O caminho da defesa da democracia começa num maior esforço de todos para dar respostas aos cidadãos. Começa nas escolas, reforçando a educação cívica. Ensinando o que custou a democracia. A democracia não é um dado adquirido. É necessário lutar por ela todos os dias do resto das nossas vidas. Não se esqueçam que a democracia é para todos. Só quando se ouvem os outros - e se age no sentido de resolver os seus problemas concretos - é que a democracia se cumpre.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 18/04/2015)