quarta-feira, 1 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "O Problema Alemão"

Durante séculos, o Sacro Império Romano-Germânico, entidade imperial fundada na Idade Média, agregou centenas de pequenos reinos, principados, ducados, condados, cidades livres e outras entidades político-territoriais de pequena dimensão. Apesar da enorme dimensão territorial do Império – que na sua máxima extensão integrava uma parte muito significativa da Europa Central, incluindo muitas populações de língua não alemã –, a verdade é que, ao longo de grande parte da sua História, as sucessivas casas imperiais que o dirigiram (o cargo imperial não era hereditário), possuíam apenas um poder nominal e simbólico.
Imperadores como Frederico II (1220-1250) e Carlos V (1519-1556) exerceram, de facto, uma influência e proeminência política real. Porém, em ambos os casos, os recursos com que contaram para afirmar a sua supremacia tiveram origem no exterior das fronteiras originais do Império. No primeiro caso, no Reino da Sicília e no segundo, na Espanha, nos territórios borgonheses e da Casa de Habsburgo de que Carlos V também era titular.
Seja como for, a vulnerabilidade e falta de coesão política do Primeiro Reich – que nunca foi visto como uma entidade exclusivamente germânica - impediu o surgimento de uma verdadeira supremacia “alemã” ao longo de toda a sua vigência (962-1806). Pelo contrário. A França, a Suécia, a Polónia, a Dinamarca e até a Grã-Bretanha anexaram e controlaram vastos territórios do Império. 
A rápida industrialização que se verificou no território alemão ao longo do século XIX e a unificação política do país (com exceção das zonas alemãs que permaneceram no Império Austro-Húngaro), ocorrida em 1871 (início do Segundo Reich), alteraram, de forma permanente, o equilíbrio de poder na Europa. É a partir desse momento que a Alemanha começa a constituir um problema para o equilíbrio europeu. Em poucas décadas, a Alemanha logrou tornar-se no Estado europeu mais forte.
Durante a Primeira Guerra Mundial, uma formidável coligação de grandes potências europeias e os Estados Unidos lograram conter o poder alemão, apesar do território alemão ter escapado a uma invasão militar e do exército alemão não ter sido inteiramente esmagado. Durante o período entre guerras, as forças nacionalistas, com destaque para o Partido Nazi liderado por Adolf Hitler, alimentaram a lenda “da facada nas costas” infligida ao povo e ao exército alemão.
 Depois da subida ao poder do Nacional-Socialismo (1933), a Alemanha voltou a desenvolver uma política externa expansionista, desencadeando assim a Segunda Guerra Mundial. Tal como no primeiro conflito mundial, a Alemanha foi novamente parada por uma extraordinária coligação de grandes potências (a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a URSS). Desta vez, o exército alemão foi integralmente destruído e o território alemão sujeito a uma devastadora destruição causada pelos bombardeamentos aéreos e pela invasão terrestre das tropas aliadas, com particular destaque para o exército soviético.
A Alemanha perdeu, nos dois conflitos mundiais, cerca de 180 000 km² (o equivalente a duas vezes o território de Portugal), ficando assim reduzida à dimensão de um Estado médio europeu, com apenas 357 021 km². A verdade é que, mesmo na versão territorial mais reduzida da sua História, a Alemanha voltou a conseguir hegemonizar económica e politicamente a Europa. 
Na minha opinião, os alemães estão, novamente, a fazer um uso imoderado do seu enorme potencial e a colocar-se numa situação insustentável. O seu império informal, a União Europeia, corre o risco de implodir devido às políticas de austeridade que o Governo alemão está a impor. Por outro lado, a política de expansão económica alemã na Ucrânia corre o risco de provocar um conflito de enorme gravidade com o gigante militar russo. A questão do momento na Europa é saber se desta vez a Alemanha conseguirá conter a sua ambição. Se não o fizer, o resultado não será muito diferente do registado nas duas ocasiões anteriores.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 16/03/2015)