quarta-feira, 1 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "O Mapa Azul"

O jornal espanhol El País divulgou, no início desta semana, a proposta de extensão da plataforma continental, referente à zona económica exclusiva das Canárias, que Madrid entregou a 17 de dezembro na Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas. A proposta espanhola reivindica a jurisdição do leito e do subsolo do mar além das 200 milhas, de uma área de 296.500 quilómetros quadrados.
A notícia avança, também, que uma parte da área agora reivindicada pelo Estado espanhol – cerca de 10 mil quilómetros quadrados a sudoeste da Madeira, junto das ilhas Selvagens – integra o projeto de extensão da plataforma continental apresentado por Portugal em 2009, que aguarda, desde essa data, uma deliberação das Nações Unidas.
A mesma notícia avança com mais dois dados significativos: a região marítima reivindicada a Portugal por parte da Espanha é, presumivelmente, rica em gás natural e petróleo e que a Espanha espera dividir salomonicamente esse território. A outra questão referenciada na notícia é, desde há muito tempo, conhecida da diplomacia portuguesa. A Espanha considera que as Selvagens são rochedos e não ilhas. A consequência prática deste posicionamento é que a Espanha não reconhece a zona económica exclusiva portuguesa associada às ilhas Selvagens. 
É perturbante pensar como tudo isto se começa a assemelhar às circunstâncias e ao contexto que o nosso país teve de enfrentar na chamada questão do mapa cor-de-rosa. 
No final do século XIX, o governo português da época elaborou um mapa com as reivindicações territoriais portuguesas na África Austral. O território reivindicado por Portugal (que estava pintado a cor-de-rosa, daí a designação com que ficou para a História) integrava, no domínio português, o território que se situava entre as colónias de Angola e Moçambique, criando assim um vasto domínio colonial ininterrupto entre a Costa Ocidental Africana e o Índico. 
O resto da História é bem conhecido. A Grã-Bretanha, através de um ultimato ultrajante, obrigou o país a retirar qualquer reivindicação sobre o território africano que ligava Angola a Moçambique. A questão é apontada como uma das causas do desprestígio da monarquia. A verdade é que não restava outro caminho ao Governo Português a não ser ceder e assim preservar as grandes colónias de Angola e Moçambique. O país não tinha qualquer possibilidade de enfrentar uma guerra com a grande potência da época: a Grã-Bretanha. 
O mesmo sucedeu à França em 1898, no chamado Incidente de Fachoda. Confrontada com um ultimato britânico, no sentido de retirar do Sudão, a França acabou por aceitar retirar as suas tropas do local disputado. No essencial, a questão tinha a mesma natureza estratégica do confronto anglo-português. A expansão do domínio africano francês do Senegal ao Mar Vermelho colocava em causa o almejado projeto britânico de domínio colonial ininterrupto entre o Cairo e o Cabo). Era assim a realpolitik do século XIX.
Neste século, Portugal – graças à extraordinária localização dos Açores – elaborou um novo mapa de expansão territorial que representa uma enorme esperança para o futuro da nação e do povo açoriano. Desta vez o mapa é azul e representa uma enorme área de soberania e de jurisdição marítima, com cerca de quatro milhões de quilómetros quadrados (um território marítimo que representa metade da área continental dos Estados Unidos, com exceção do Alasca).
A reivindicação espanhola - que surge a poucos meses da deliberação da Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas sobre a proposta portuguesa de extensão da Plataforma Continental (o nosso mapa azul) - representa um ato hostil.
 É muito provável que algumas potências atlânticas estejam, neste momento, a mover enormes pressões junto das Nações Unidas para impedir que Portugal se aproprie de cerca de 4% do leito e do subsolo do Oceano Atlântico. O nosso mapa azul pode vir a ser consideravelmente recortado por razões exclusivamente políticas e económicas, deitando assim por terra os melhores argumentos científicos. 
No que diz respeito ao ato de pirataria espanhola, a diplomacia portuguesa não deve, para já, aceitar negociar seja o que for com este executivo espanhol. O Governo conservador espanhol está à beira de enfrentar uma derrota de enormes proporções contra a esquerda tradicional e populista que emerge através do fenómeno Podemos. O sistema político espanhol entrou em colapso e é provável que o desafio independentista catalão e basco se radicalize. A negociação pode esperar.
(publicado no jornal Açoriano Oriental do dia 05/01/2015)